A vida como ela é de verdade ou o esgotamento do inevitável!
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Sociólogo norte-americano antecipa que ‘o capitalismo
chegou ao fim da linha’
Aos 81 anos, o sociólogo
norte-americano Immanuel Wallerstein acredita que o capitalismo
chegou ao fim da linha: já não pode mais sobreviver como sistema. Mas – e aqui
começam as provocações – o que surgirá em seu lugar pode ser melhor (mais
igualitário e democrático) ou pior (mais polarizado e explorador) do que temos
hoje em dia.
O capitalismo está
derretendo
Estamos, pensa este professor da Universidade
de Yale e personagem assíduo dos Fóruns Sociais Mundiais, em meio a uma
bifurcação, um momento histórico único nos últimos 500 anos. Ao contrário do que
pensava Karl Marx, o sistema não sucumbirá num ato heróico. Desabará sobre suas
próprias contradições. Mas atenção: diferentemente de certos críticos do
filósofo alemão, Wallerstein não está sugerindo que as ações humanas são
irrelevantes.
Ao contrário: para ele, vivemos o momento
preciso em que as ações coletivas, e mesmo individuais, podem causar impactos
decisivos sobre o destino comum da humanidade e do planeta. Ou seja, nossas
escolhas realmente importam. “Quando o sistema está estável, é relativamente
determinista. Mas, quando passa por crise estrutural, o livre-arbítrio torna-se
importante.”
É no emblemático 1968, referência e
inspiração de tantas iniciativas contemporâneas, que Wallerstein situa o início
da bifurcação. Lá teria se quebrado “a ilusão liberal que governava o
sistema-mundo”. Abertura de um período em que o sistema hegemônico começa a
declinar e o futuro abre-se a rumos muito distintos, as revoltas daquele ano
seriam, na opinião do sociólogo, o fato mais potente do século passado –
superiores, por exemplo, à revolução soviética de 1917 ou a 1945, quando os EUA
emergiram com grande poder mundial.
As declarações foram colhidas no dia 4 de
outubro pela jornalista Sophie Shevardnadze, que conduz o programa Interview na
emissora de televisão russa RT. A transcrição e a tradução para o português são
iniciativas do sítio Outras Palavras, 15-10-2011.
Leia
aqui a entrevista, na íntegra:
– Há exatamente dois anos, você disse ao
RT que o colapso real da economia ainda demoraria alguns anos. Esse colapso está
acontecendo agora?
– Não, ainda vai demorar um ano ou dois, mas
está claro que essa quebra está chegando.
– Quem está em maiores apuros: Os Estados
Unidos, a União Europeia ou o mundo todo?
– Na verdade, o mundo todo vive problemas. Os
Estados Unidos e União Europeia, claramente. Mas também acredito que os chamados
países emergentes, ou em desenvolvimento – Brasil, Índia, China – também
enfrentarão dificuldades. Não vejo ninguém em situação tranquila.
– Você está dizendo que o sistema
financeiro está claramente quebrado. O que há de errado com o capitalismo
contemporâneo?
– Essa é uma história muito longa. Na minha
visão, o capitalismo chegou ao fim da linha e já não pode sobreviver como
sistema. A crise estrutural que atravessamos começou há bastante tempo. Segundo
meu ponto de vista, por volta dos anos 1970 – e ainda vai durar mais uns 20, 30
ou 40 anos. Não é uma crise de um ano, ou de curta duração: é o grande
desabamento de um sistema. Estamos num momento de transição. Na verdade, na luta
política que acontece no mundo — que a maioria das pessoas se recusa a
reconhecer — não está em questão se o capitalismo sobreviverá ou não, mas o que
irá sucedê-lo. E é claro: podem existir duas pontos de vista extremamente
diferentes sobre o que deve tomar o lugar do capitalismo.
– Qual a sua visão?
– Eu gostaria de um sistema relativamente
mais democrático, mais relativamente igualitário e moral. Essa é uma visão, nós
nunca tivemos isso na história do mundo – mas é possível. A outra visão é de um
sistema desigual, polarizado e explorador. O capitalismo já é assim, mas pode
advir um sistema muito pior que ele. É como vejo a luta política que vivemos.
Tecnicamente, significa é uma bifurcação de um sistema.
– Então, a bifurcação do sistema
capitalista está diretamente ligada aos caos econômico?
– Sim, as raízes da crise são, de muitas
maneiras, a incapacidade de reproduzir o princípio básico do capitalismo, que é
a acumulação sistemática de capital. Esse é o ponto central do capitalismo como
um sistema, e funcionou perfeitamente bem por 500 anos. Foi um sistema muito bem
sucedido no que se propõe a fazer. Mas se desfez, como acontece com todos os
sistemas.
– Esses tremores econômicos, políticos e
sociais são perigosos? Quais são os prós e contras?
– Se você pergunta se os tremores são
perigosos para você e para mim, então a resposta é sim, eles são extremamente
perigosos para nós. Na verdade, num dos livros que escrevi, chamei-os de
“inferno na terra”. É um período no qual quase tudo é relativamente imprevisível
a curto prazo – e as pessoas não podem conviver com o imprevisível a curto
prazo. Podemos nos ajustar ao imprevisível no longo prazo, mas não com a
incerteza sobre o que vai acontecer no dia seguinte ou no ano seguinte. Você não
sabe o que fazer, e é basicamente o que estamos vendo no mundo da economia hoje.
É uma paralisia, pois ninguém está investindo, já que ninguém sabe se daqui a um
ano ou dois vai ter esse dinheiro de volta. Quem não tem certeza de que em três
anos vai receber seu dinheiro, não investe – mas não investir torna a situação
ainda pior. As pessoas não sentem que têm muitas opções, e estão certas, as
opções são escassas.
– Então, estamos nesse processo de
abalos, e não existem prós ou contras, não temos opção, a não ser estar nesse
processo. Você vê uma saída?
– Sim! O que acontece numa bifurcação é que,
em algum momento, pendemos para um dos lados, e voltamos a uma situação
relativamente estável. Quando a crise acabar, estaremos em um novo sistema, que
não sabemos qual será. É uma situação muito otimista no sentido de que, na
situação em que nos encontramos, o que eu e você fizermos realmente importa.
Isso não acontece quando vivemos num sistema que funciona perfeitamente bem.
Nesse caso, investimos uma quantidade imensa de energia e, no fim, tudo volta a
ser o que era antes. Um pequeno exemplo. Estamos na Rússia. Aqui aconteceu uma
coisa chamada Revolução Russa, em 1917. Foi um enorme esforço social, um número
incrível de pessoas colocou muita energia nisso. Fizeram coisas incríveis, mas
no final, onde está a Rússia, em relação ao lugar que ocupava em 1917? Em muitos
aspectos, está de volta ao mesmo lugar, ou mudou muito pouco. A mesma coisa
poderia ser dita sobre a Revolução Francesa.
– O que isso diz sobre a importância das
escolhas pessoais?
– A situação muda quando você está em uma
crise estrutural. Se, normalmente, muito esforço se traduz em pouca mudança,
nessas situações raras um pequeno esforço traz um conjunto enorme de mudanças –
porque o sistema, agora, está muito instável e volátil. Qualquer esforço leva a
uma ou outra direção. Às vezes, digo que essa é a “historização” da velha
distinção filosófica entre determinismo e livre-arbítrio. Quando o sistema está
relativamente estável, é relativamente determinista, com pouco espaço para o
livre-arbítrio. Mas, quando está instável, passando por uma crise estrutural, o
livre-arbítrio torna-se importante. As ações de cada um realmente importam, de
uma maneira que não se viu nos últimos 500 anos. Esse é meu argumento
básico.
– Você sempre apontou Karl Marx como uma
de suas maiores influências. Você acredita que ele ainda seja tão relevante no
século XXI?
– Bem, Karl Marx foi um grande pensador no
século XIX. Ele teve todas as virtudes, com suas ideias e percepções, e todas as
limitações, por ser um homem do século XIX. Uma de suas grandes limitações é que
ele era um economista clássico demais, e era determinista demais. Ele viu que os
sistemas tinham um fim, mas achou que esse fim se dava como resultado de um
processo de revolução. Eu estou sugerindo que o fim é reflexo de contradições
internas. Todos somos prisioneiros de nosso tempo, disso não há dúvidas. Marx
foi um prisioneiro do fato de ter sido um pensador do século XIX; eu sou
prisioneiro do fato de ser um pensador do século XX.
– Do século 21, agora…
– É, mas eu nasci em 1930, eu vivi 70 anos no
século XX, eu sinto que sou um produto do século XX. Isso provavelmente se
revela como limitação no meu próprio pensamento.
– Quanto – e de que maneiras – esses dois
séculos se diferem? Eles são realmente tão diferentes?
– Eu acredito que sim. Acredito que o ponto
de virada deu-se por volta de 1970. Primeiro, pela revolução mundial de 1968,
que não foi um evento sem importância. Na verdade, eu o considero o evento mais
significantes do século XX. Mais importante que a Revolução Russa e mais
importante que os Estados Unidos terem se tornado o poder hegemônico, em 1945.
Porque 1968 quebrou a ilusão liberal que governava o sistema mundial e anunciou
a bifurcação que viria. Vivemos, desde então, na esteira de 1968, em todo o
mundo.
– Você disse que vivemos a retomada de 68
desde que a revolução aconteceu. As pessoas às vezes dizem que o mundo ficou
mais valente nas últimas duas décadas. O mundo ficou mais
violento?
– Eu acho que as pessoas sentem um
desconforto, embora ele talvez não corresponda à realidade. Não há dúvidas de
que as pessoas estavam relativamente tranquilas quanto à violência em 1950 ou
1960. Hoje, elas têm medo e, em muitos sentidos, têm o direito de sentir
medo.
– Você acredita que, com todo o progresso
tecnológico, e com o fato de gostarmos de pensar que somos mais civilizados, não
haverá mais guerras? O que isso diz sobre a natureza humana?
– Significa que as pessoas estão prontas para
serem violentas em muitas circunstâncias. Somos mais civilizados? Eu não sei.
Esse é um conceito dúbio, primeiro porque o civilizado causa mais problemas que
o não civilizado; os civilizados tentam destruir os bárbaros, não são os
bárbaros que tentam destruir os civilizados. Os civilizados definem os bárbaros:
os outros são bárbaros; nós, os civilizados.
– É isso que vemos hoje? O Ocidente
tentando ensinar os bárbaros de todo o mundo?
– É o que vemos há 500 anos.
19/10/2011
17:04, Por Redação, com IHU - de Washington