quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Uma mensagem para refletir no novo ano novo...

Um presente do meu irmão!





 
"Ama que tudo é só Amar/
Sonha que a vida é só sonhar/
Toma do Amor tudo que é bom/
Toma depressa enquanto é bom./
Que depois do Amor/
É só chorar/
Se depois do Amor/
É só chorar/"

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

radicalIDADES!!!!!!!!!!!!!!!!






 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Duas visões de mundo se confrontam em Copenhague




Tanto o aquecimento global quanto as perturbações da natureza e a injustiça social mundial são tidas como externalidades, vale dizer, realidades não intencionadas e que por isso não entram na contabilidade geral dos estados e das empresas. Finalmente o que conta mesmo é o lucro e um PIB positivo. Mas estas externalidades se tornaram tão ameaçadoras que estão desestabilizando o sistema-Terra, mostrando a falência do modelo econômico neoliberal e expondo em grave risco o futuro da espécie humana. O artigo é de Leonardo Boff.
Data: 19/12/2009
Em Copenhague nas discussões sobre as taxas de redução dos gases produtores de mudanças climáticas, duas visões de mundo se confrontam: a da maioria dos que estão fora da Assembléia, vindo de todas as partes do mundo e a dos poucos que estão dentro dela, representando os 192 estados. Estas visões diferentes são prenhes de conseqüências, significando, no seu termo, a garantia ou a destruição de um futuro comum.

Os que estão dentro, fundamentalmente, reafirmam o sistema atual de produção e de consumo mesmo sabendo que implica sacrificação da natureza e criação de desigualdades sociais. Crêem que com algumas regulações e controles a máquina pode continuar produzindo crescimento material e ganhos como ocorria antes da crise.

Mas importa denunciar que exatamente este sistema se constitui no principal causador do aquecimento global emitindo 40 bilhões de toneladas anuais de gases poluentes. Tanto o aquecimento global quanto as perturbações da natureza e a injustiça social mundial são tidas como externalidades, vale dizer, realidades não intencionadas e que por isso não entram na contabilidade geral dos estados e das empresas. Finalmente o que conta mesmo é o lucro e um PIB positivo.

Ocorre que estas externalidades se tornaram tão ameaçadoras que estão desestabilizando o sistema-Terra, mostrando a falência do modelo econômico neoliberal e expondo em grave risco o futuro da espécie humana.

Não passa pela cabeça dos representantes dos povos que a alternativa é a troca de modo de produção que implica uma relação de sinergia com a natureza. Reduzir apenas as emissões de carbono mas mantendo a mesma vontade de pilhagem dos recursos é como se colocássemos um pé no pescoço de alguém e lhe dissésemos: quero sua liberdade mas à condição de continuar com o meu pé em seu pescoço.

Precisamos impugnar a filosofia subjacente a esta cosmovisão. Ela desconhece os limites da Terra, afirma que o ser humano é essencialmente egoista e que por isso não pode ser mudado e que pode dispor da natureza como quiser, que a competição é natural e que pela seleção natural os fracos são engolidos pelos mais fortes e que o mercado é o regulador de toda a vida econômica e social.

Em contraposição reafirmamos que o ser humano é essencialmente cooperativo porque é um ser social. Mas faz-se egoísta quando rompe com sua própria essência. Dando centralidade ao egoísmo, como o faz o sistema do capital, torna impossível uma sociedade de rosto humano. Um fato recente o mostra: em 50 anos os pobres receberam de ajuda dois trilhões de dólares enquanto os bancos em um ano receberam 18 trilhões. Não é a competição que constitui a dinâmica central do universo e da vida mas a cooperação de todos com todos. Depois que se descobriram os genes, as bactérias e os vírus, como principais fatores da evolução, não se pode mais sustentar a seleção natural como se fazia antes. Esta serviu de base para o darwinismo social. O mercado entregue à sua lógica interna, opõe todos contra todos e assim dilacera o tecido social. Postulamos uma sociedade com mercado mas não de mercado.

A outra visão dos representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos.

Essa cooperação não é uma virtude qualquer. É aquela que outrora nos permitiu deixar para trás o mundo animal e inaugurar o mundo humano. Somos essencialmente seres cooperativos e solidários sem o que nos entredevoramos. Por isso a economia deve dar lugar à ecologia. Ou fazemos esta virada ou Gaia poderá continuar sem nós.

A forma mais imediata de nos salvar é voltar à ética do cuidado, buscando o trabalho sem exploração, a produção sem contaminação, a competência sem arrogância e a solidariedade a partir dos mais fracos. Este é o grande salto que se impõe neste momento. A partir dele Terra e Humanidade podem entrar num acordo que salvará a ambos

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Caro professor...

Caro Professor ,


Alunos da periferia das grandes cidades são alunos pobres. A pobreza, mais uma vez, é acusada de práticas de violência. Tenho trabalhado em escolas da periferia de Curitiba. A primeira vez que entrei em uma dessas escolas, fiquei assustado. A aparência e os modos dos alunos não condiziam nem um pouco com figuras angelicais que povoam o imaginário docente. Assustei-me mais ainda quando comecei a ouvir o que os professores diziam desses jovens: vagabundos, prostitutos, verdadeiros animais. Antes do sinal da entrada, camburões da polícia militar paravam em frente a escola e, com armas na mão, os soldados empurravam os jovens contra a parede como se estivessem em um campo de concentração. "Acham que todo mundo é bandido, professor. Tava trabalhando com o pai até agora!" Na sala de aula, querem viver uma infância que lhes foi subtraída. O único lugar em que podem ser adolescentes e crianças é na sala de aula. Falam bastante, não prestam atenção no professor, não conseguem ler um texto simples. São desajustados para os modelos docentes de outros tempos. Tempos em que a escola não era para eles. Agora, sob a ótica de certos princípios pedagógicos, a escola parece continuar não sendo para eles. Ou melhor, é para eles, desde que não sejam o que são, que se enquadrem nos modelos angelicais de uma escola que quer adaptá-los docilmente a uma dinâmica de mundo que insiste em mantê-los a margem. Quem é violento não são nossos jovens. Violento é nosso país, são nossas instituições. Está mais do que na hora da escola parar de rotular jovens e adolescentes como bandidos e desenvolver projetos educativos em que eles possam, efetivamente, se tornar sujeitos, sujeitos de direito. Os meninos com quem trabalhei e com quem trabalho não têm absolutamente nada de marginais. Devemos ter consciência de que a diferença marca nossas identidades e nos enriquece, como diria talvez Adil; devemos ter consciência também de que a desigualdade deforma. E a briga é junto com essa meninada pela humanização, de alunos e também de professores. É o caminho da escola. Freirianamente, franciscanamente, marxistamente... Abraços.

Sebastião 

sábado, 12 de dezembro de 2009

Múltiplos sentidos da imagem para o ensino e a divulgação de ciência

Por Luciana Palharini
30/11/2009
“O que é manipular uma imagem? Eu posso manipular uma imagem, mas eu posso manipular os sentidos que ela provoca?” Com essas palavras, a pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), na Bahia, Elenise Cristina Pires de Andrade, iniciou sua apresentação no Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, que aconteceu na Unicamp entre os dias 23 e 25 de novembro.
O trabalho, intitulado “Vidas e conhecimentos trans-versando uma metodologia de ensino de bios-logia”, trouxe o tema sobre o uso das imagens em ensino, pesquisa e divulgação das ciências biológicas.
A proposta metodológica de Andrade, que tem como inspiração os estudos culturais da ciência, é “duvidar, estranhar uma normalidade das imagens em ensino-pesquisa-divulgação das ciências biológicas carregadas e marcadas de representatividades que as amarram aos conceitos e teorias dos fenômenos do mundo”. Isso implica, primeiramente, ver a ciência como um “artefato cultural” e não como a representação de uma verdade absoluta, uma tradução da realidade. “Os artefatos culturais intensificam-se não pela representatividade de um mundo que se quer mostrar, mas na produção de sentidos múltiplos, sem a necessidade de verdadeiro ou falso”, afirma a pesquisadora.
Andrade nos trouxe como exemplo de imagens canônicas que nos são oferecidas pelo cardápio da divulgação científica: escadas evolutivas que vão da ameba ao astronauta ou do chipanzé ao homem sentado à frente do computador para retratar a história do planeta ou da humanidade. “Muitas vezes, um ‘obrigar a ver’, im-posto através de uma cultura única, que se quer explicativa, diretiva, reducionista, talvez”, acrescenta a pesquisadora.
No lugar de imagens com “espaços e tempos tão marcados por fixações de representatividade”, a autora prefere apostar em uma proposta metodológica da “multiplicação de sentidos” que uma imagem pode oferecer. O que haveria em comum entre a imagem de um berçário de estrelas, exibido na “V Semana de Física da UESC”, e a de sinais de RNA (material genético) no núcleo de uma célula eucariótica? Luzes, cores, sensações? A proximidade entre os mundos micro e macro explode e outras possibilidades de sentido podem vir à tona. “O ‘o que significa isso?’ sai de cena e a potência ‘do que seja ou não isso’ invade os momentos e pensamentos dos alunos da licenciatura (em biologia) e da professora”, apresenta Andrade.
Ao invés da preocupação em mostrar uma imagem “verdadeira” daquilo que a ciência oferece como conhecimento, está a proposta de incitar novas conexões entre conhecimentos, novos sentidos da vida. “Uma aposta em multiplicações e hibridizações em vidas (bios) e conhecimentos (logias) no atravessamento por diferentes perspectivas sobre a importância das formas, dos olhares, das linguagens, das sensibilidades no processo de produção e validação de conhecimento, enfocando a diversidade e respeitando as diferenças, ao possibilitar e propor uma educação dos sentidos na e com a elaboração de saberes singulares”, finaliza a autora.
Os alunos de Andrade no curso de licenciatura em ciências biológicas da UESC estão tendo a oportunidade de tomar contato com uma metodologia bastante singular sobre o ensino de ciências e biologia. A pesquisa da professora também faz parte do projeto “Biotecnologias de Rua”, do Labjor/ Unicamp.

Grupo avalia literatura científica para crianças


Por Danilo Albergaria
03/12/2009
Em pôster apresentado durante o I Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, que ocorreu na Unicamp entre os dias 23 e 25 de novembro, o pesquisador Paulo Roberto da Cunha, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, mostrou uma extensa análise de livros infantis voltados para a divulgação científica. E os resultados do seu grupo de pesquisa não são nada animadores: de um total de mais de 280 livros analisados, apenas pouco mais de trinta foram considerados livres de equívocos graves e adequados como leitura científica para crianças.
O grupo responsável pela pesquisa contou com três pesquisadores em educação vindos de áreas específicas da ciência: além de Cunha, biólogo do Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo) e pós-graduando do Labjor/Unicamp, o grupo é formado pelos químicos Mansur Lutfi, da Unicamp, e Fábio Gouveia, da USP. Numa primeira triagem, cerca de 90 livros já foram eliminados por erros grosseiros ou inadequação material, com encadernação de péssima qualidade. Os restantes (191) foram, então, analisados pelo grupo. “A análise foi uma avaliação de conteúdo, temática e linguagem de livros não-didáticos, que podem ser considerados como leitura complementar, para crianças de seis a oito anos”, explica Cunha.
Um dos problemas mais comuns encontrados pelo grupo foi a inadequação da linguagem para o público infantil. Cunha mostra um exemplo em que a proporção da superfície da Terra entre terra e água é apresentada em termos de quilômetros quadrados. “A analogia é completamente inadequada: uma criança nessa faixa etária, mesmo que já tenha ouvido falar do conceito de quilômetro quadrado, ainda não tem capacidade de abstração para poder imaginar com clareza a proporção que está sendo proposta”, avalia. O pesquisador cita outro exemplo de erro que vem da proporção: “Encontramos muitas imagens que apresentam animais completamente fora de proporção, coisas como um gato do mesmo tamanho de uma baleia, representações descuidadas que acabam tendo impacto na visão das crianças”, critica.
Para ele, erros em imagens são tão ou mais graves quanto erros no texto escrito, especialmente em se tratando de leitura infantil. Cunha lembra de uma representação da diferença entre água do mar e água doce: “Para mostrar essa diferença, o livro mostra uma pessoa segurando, na água, um saco de açúcar”, diz, com um inevitável misto de gravidade e riso, exemplificando representações pictóricas que, além de transmitirem ideias completamente errôneas, não contribuem em nada para a criança entender importantes e rudimentares conceitos científicos.
Esses equívocos parecem inocentes quando comparados à confusão que muitos livros fazem entre o discurso científico e o pensamento mágico, o misticismo e também o senso comum. Animais e plantas que conversam com seres humanos podem ser úteis para aguçar a imaginação literária e poética das crianças, mas ao mesmo tempo, se isso for feito sem muito cuidado, pode resvalar no animismo, no antropomorfismo e na magia, coisas que a ciência moderna varreu do mapa há tempos. Cunha esclarece que “o grupo (de pesquisa) parte do ponto de vista do letramento científico; portanto, aquilo que não teria problemas numa literatura não voltada para as ciências, neste tipo de livro pode acabar não sendo adequado do ponto de vista científico e de letramento científico para crianças”.
É verdade que, quando se trata de escrever sobre ciência para um público amplo - e não apenas o infantil -, caminha-se no fio da navalha. Conceitos científicos não são concebidos para serem facilmente compreensíveis. O que não quer dizer que qualquer simplificação seja válida e aceitável. Se o letramento científico é o objetivo de um nicho de livros infantis, esse nicho deve corresponder precisamente aos conceitos que quer ensinar. Conclui-se, por esse estudo, ser preciso mais cuidado com “astronautas conversando com astros” e “mamíferos apresentados como o topo da hierarquia entre os animais”, nas palavras de Cunha, pois estas são imagens estranhas à ciência. Depurar o que as crianças aprendem é fundamental para uma sociedade que pretende compreender, partilhar e participar da construção do conhecimento científico.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O IMPÉRIO DO CONSUMO

Eduardo Galeano*

A explosão do consumo no mundo atual faz mais barulho do que todas as guerras e mais algazarra do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco, aquele que bebe a conta, fica bêbado em dobro. A gandaia aturde e anuvia o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço.


Mas a cultura de consumo faz muito barulho, assim como o tambor, porque está vazia; e na hora da verdade, quando o estrondo cessa e acaba a festa, o bêbado acorda, sozinho, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos quebrados que deve pagar. A expansão da demanda se choca com as fronteiras impostas pelo mesmo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos e mais amplos tanto quanto os pulmões precisam de ar e, ao mesmo tempo, requer que estejam no chão, como estão, os preços das matérias primas e da força de trabalho humana. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora; mas não tem jeito: para quase todo o mundo esta aventura começa e termina na telinha da TV. A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas que geram novas dívidas, e acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos. O direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos.


Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem metade dos calmantes, ansiolíticos e demais drogas químicas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial.


"Gente infeliz, essa que vive se comparando", lamenta uma mulher no bairro de Buceo, em Montevidéu. A dor de já não ser, que outrora cantava o tango, deu lugar à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. "Quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, em Buenos Aires. E outro confirma, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: "Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas, e vivem suando feito loucos para pagar as prestações".


Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade, e a uniformidade é que manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todas partes suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.


O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde quantidade com qualidade, confunde gordura com boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a obesidade mórbida aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou 40% nos últimos dezesseis anos, segundo pesquisa recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free, tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar desce do carro só para trabalhar e para assistir televisão. Sentado na frente da telinha, passa quatro horas por dia devorando comida plástica.


Vence o lixo fantasiado de comida: essa indústria está conquistando os paladares do mundo e está demolindo as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêm de longe, contam, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade e constituem um patrimônio coletivo que, de algum modo, está nos fogões de todos e não apenas na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão sendo esmagadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida em escala mundial, obra do McDonald´s, do Burger King e de outras fábricas, viola com sucesso o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.


A Copa do Mundo de futebol de 1998 confirmou para nós, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola proporciona eterna juventude e que o cardápio do McDonald´s não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército do McDonald´s dispara hambúrgueres nas bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O duplo arco dessa M serviu como estandarte, durante a recente conquista dos países do Leste Europeu.


As filas na frente do McDonald´s de Moscou, inaugurado em 1990 com bandas e fanfarras, simbolizaram a vitória do Ocidente com tanta eloqüência quanto a queda do Muro de Berlim. Um sinal dos tempos: essa empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. O McDonald´s viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama de Macfamília, tentaram sindicalizar-se em um restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas, em 98, outros empregados do McDonald´s, em uma pequena cidade próxima a Vancouver, conseguiram essa conquista, digna do Guinness.


As massas consumidoras recebem ordens em um idioma universal: a publicidade conseguiu aquilo que o esperanto quis e não pôde.


Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que a televisão transmite. No último quarto de século, os gastos em propaganda dobraram no mundo todo. Graças a isso, as crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite e o tempo de lazer vai se tornando tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a televisão está com a palavra. Comprado em prestações, esse animalzinho é uma prova da vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos.


Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos ficam sabendo das vantajosas taxas de juros que tal ou qual banco oferece. Os especialistas sabem transformar as mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.


Os buracos no peito são preenchidos enchendo-os de coisas, ou sonhando com fazer isso. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas escolhem você e salvam você do anonimato das multidões. A publicidade não informa sobre o produto que vende, ou faz isso muito raramente. Isso é o que menos importa. Sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias. Comprando este creme de barbear, você quer se transformar em quem?


O criminologista Anthony Platt observou que os delitos das ruas não são fruto somente da extrema pobreza. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social pelo sucesso, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Eu sempre ouvi dizer que o dinheiro não trás felicidade; mas qualquer pobre que assista televisão tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro trás algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.


Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX marcou o fim de sete mil anos de vida humana centrada na agricultura, desde que apareceram os primeiros cultivos, no final do paleolítico. A população mundial torna-se urbana, os camponeses tornam-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo, e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em todas partes, mas por experiência própria sabem que atende nos grandes centros urbanos.


As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os esperadores olham a vida passar, e morrem bocejando; nas cidades, a vida acontece e chama. Amontoados em cortiços, a primeira coisa que os recém chegados descobrem é que o trabalho falta e os braços sobram, que nada é de graça e que os artigos de luxo mais caros são o ar e o silêncio.


Enquanto o século XIV nascia, o padre Giordano da Rivalto pronunciou, em Florença, um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam «porque as pessoas sentem gosto em juntar-se». Juntar-se, encontrar-se. Mas, quem encontra com quem? A esperança encontra-se com a realidade? O desejo, encontra-se com o mundo? E as pessoas, encontram-se com as pessoas?Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente encontra-se com as coisas?


O mundo inteiro tende a transformar-se em uma grande tela de televisão, na qual as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos.


Os terminais de ônibus e as estações de trens, que até pouco tempo atrás eram espaços de encontro entre pessoas, estão se transformando, agora, em espaços de exibição comercial. O shopping center, o centro comercial, vitrine de todas as vitrines, impõe sua presença esmagadora. As multidões concorrem, em peregrinação, a esse templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora é submetida ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e desce pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago; e para ver e ouvir não é preciso pagar passagem. Os turistas vindos das cidades do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas benesses da felicidade moderna, posam para a foto, aos pés das marcas internacionais mais famosas, tal e como antes posavam aos pés da estátua do prócer na praça.


Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam até o centro. O tradicional passeio do fim-de-semana até o centro da cidade tende a ser substituído pela excursão até esses centros urbanos. De banho tomado, arrumados e penteados, vestidos com suas melhores galas, os visitantes vêm para uma festa à qual não foram convidados, mas podem olhar tudo. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas.


A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada à serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje, quando o único que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, são tão voláteis quanto o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa na velocidade da luz: ontem estava lá, hoje está aqui, amanhã quem sabe onde, e todo trabalhador é um desempregado em potencial.


Paradoxalmente, os shoppings centers, reinos da fugacidade, oferecem a mais bem-sucedida ilusão de segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, além das turbulências da perigosa realidade do mundo.


Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota assim como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem pausa, no mercado. Mas, para qual outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para pegar bobos.


Aqueles que comandam o jogo fazem de conta que não sabem disso, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.


(*) Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina e Memórias do Fogo.

© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

pelo fim da publicidade e da comunicação mercadológica dirigida ao público infantil

A CRIANÇA É A ALMA DO NEGÓCIO???!!!!

CONTRA A ANISTIA AOS TORTURADORES!!!

Assine esse manifesto...











http://www.ajd.org.br/contraanistia_port.php

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Modernismo de Lévi-Strauss

Por Carlos Vogt

Peter Gay, em seu livro Modernism1, escreve, a propósito de Baudelaire, – o que os admiradores do poeta francês iriam repetir através dos anos –, que a sua voz era “a voz da poesia pura e simples. Não oferecia nenhum programa político, ético ou religioso; não tentava impressionar seus leitores com floreios retóricos; emergia dos sentimentos, não das ideias. Para Baudelaire a forma era um vaso que recebe a substância para moldá-la no feitio apropriado. Ele encontrava sempre, para emprestar uma frase de um de seus mais consistentes admiradores, T.S. Eliot, um “correlato objetivo” para o que quer que desejasse ─ ou talvez melhor, necessitasse ─ para expressar. Segue-se daí, com particular aplicação à Baudelaire (Eliot enfatizou bastante esse ponto), que a moralidade ou a imoralidade de um poema depende não do assunto de que trata mas do tratamento que lhe confere.”
No mesmo livro, no capítulo 1, denominado “Professional Outsiders”, aponta Baudelaire como o mais plausível candidato a ser considerado o pai fundador do Modernismo, ao lado de alguns outros poucos escolhidos, entre eles Marcel Duchamp, Virginia Woolf, Igor Stravinsky e Orson Welles. Destaca também que Baudelaire era, como os modernistas que vieram depois dele, um realista, mas um realista que detestava o entorpecimento da reprodução do mundo em poemas e pinturas e que tinha, ao mesmo tempo, ojeriza pela subjetividade exagerada, como acontecia com os românticos mais sofisticados. Daí sua resposta à sua própria pergunta sobre o que era para ele a arte pura, segundo uma concepção moderna: “É criar uma mágica sugestiva, contendo a um só tempo o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista.” (p. 33-34)
Faço esta abertura a um texto que deve falar de Lévi-Strauss, usando como referência o livro de Peter Gay e trazendo à baila Charles Baudelaire, porque penso encontrar aí, no livro e no poeta, algumas características da obra do pensador e estudioso francês, cuja antropologia, representaria, nas ciências humanas, a expressão maior e consagrada, no século XX, do que foi o Modernismo na arte e na literatura desde a segunda metade do século XIX e até o final da era industrial na história das ideias e do pensamento ocidental.
O estruturalismo de Lévi-Strauss estava comprometido com a busca de universais da cultura e, para isso, buscou constituir uma lógica do irracional, do inconsciente social expressa nos mitos e impressa na voz narrativa das coletividades cujas vozes contam o mundo e o homem que nele se apresenta, que o apresenta, que o representa e com ele é representado. Aqui o encontro da antropologia com a psicanálise é inevitável e a filiação das ideias de Lévi-Strauss às ideias de Freud, obrigatoriamente reconhecível.
Essa lógica, também essencialmente binária, por mais estranho que possa parecer à primeira vista, em nada difere, em complexidade e sofisticação, da lógica que opera com entidades abstratas e que, entre outras coisas, marcaria uma diferença fundamental entre a mentalidade pré-lógica do homem primitivo e a mentalidade lógica do homem moderno.
Nada disso! Para Lévi-Strauss, diferentemente do funcionalismo de Lévy-Bruhl ou do existencialismo de Sartre, a diferença entre o primitivo e o moderno não está propriamente no campo das formas de representação do homem no mundo e do mundo no homem, mas na forma de expressão dessas relações.
Assim como a lógica moderna usa categorias abstratas que, em oposição binária, permitem a formulação de ideias e conceitos, assim também a “lógica irracional” primitiva trabalha com essas oposições, mas num plano de expressão sensível que concretiza em objetos correlatos as abstrações que, de outra forma, se exprimem por símbolos lógicos e matemáticos.
Aqui mesmo na revista ComCiência http://www.comciencia.br, número 89, de julho de 2007, sobre Determinismos, tive oportunidade de escrever que o triângulo culinário

articulado sobre as oposições binárias transformado / natural e cultura / natureza, baseia-se no triângulo vocálico e das consoantes de Jakobson e Halle e todos constituem-se, eles próprios, em objetos correlatos, “bons para pensar”, de categorias abstratas que se opõem, na lógica do cálculo proposicional, tal como as apresenta Robert Blanché no livro Les structures intelectuelles2.
Como diz Edmund Leach, a propósito dessa forma peculiar do entendimento de Lévi-Strauss a respeito da lógica dos mitos, nas suas Mitológicas:
“O pensamento primitivo difere tanto do pensamento científico quanto o uso de um ábaco difere da aritmética mental, mas o fato de que, em nossa época atual, caminhamos cada vez mais para depender de coisas exteriores a nós próprios ─ como os computadores ─ para nos ajudarem a resolver problemas de comunicação e de cálculo, faz com que este seja um momento adequado para examinar o modo como o povo primitivo está apto, do mesmo modo, a tornar compreensíveis os eventos de sua vida cotidiana, por referência a códigos compostos de coisas exteriores a eles próprios ─ como os atributos de espécies animais.”3
A busca do estabelecimento desses códigos, feitos de exterioridades sensíveis, constitui como que uma poética da razão humana, um poema feito de mitos, uma partitura de silêncios e ruídos, uma síntese multiplicada de objetos correlatos em que se fundem natureza e cultura, os objetos naturais e os cérebros humanos que os captam e os apreendem em produtos culturais, eles mesmos tão universais quanto as estruturas intelectuais de suas representações para o homem e do homem para as coisas que se lhe apresentam representadas em imagens e conceitos.
Como escreve Lévi-Strauss, citado por Leach4:
“A antropologia propicia-me uma satisfação intelectual: ela une, num extremo, a história do mundo e, no outro extremo, a minha própria história, e desvenda a motivação compartilhada de um e do outro, no mesmo momento.”
Nisso a modernidade de Lévi-Strauss é modernista como o é também o realismo romântico de Baudelaire e ambos, nas duas pontas de manifestações de pensamento diferenciadas, pertencem ao mesmo paradigma poético e intelectual que marca uma trajetória encerrada no final dos anos 1980, quando, terminando também o século XX, o global substitui o universal.

O número 108, da ComCiência, que foi ao ar em 10/05/09, é uma homenagem aos 100 anos dessa personalidade que marcou o século XX por seu trabalho, sua criatividade, seu pensamento fundador e revolucionário, por sua arte ensaística, por seus ensaios de antropologia e poesia.

Lévi-Strauss morreu em 30 de outubro de 2009, pouco menos de um mês antes de completar 101 anos. Perda marcante, como é marcante sua presença na construção militante da dignidade humana pela inteligência, pela emoção, pelo conhecimento.
Reeditamos, para dezembro e janeiro, o número 108 da ComCiência, ampliando-o e ecoando, na altura de nosso alcance, a voz do autor que, como nos mitos ─ objetos de suas incansáveis pesquisas ─, nos conta a saga de nosso trajeto entre natureza e cultura e as lutas que conosco e entre nós travamos para transformá-lo, de destino, em destinação.
Notas
1 Gay, P. Modernism. Nova Iorque/Londres: W.W. Norton & Company Inc.; 2008. p. 40.
2 Blanché, R. Les structures intellectuelles. Paris : Librarie Philosophique J. Urin; 1969.
3 Leach, E. As ideias de Lévi-Strauss. São Paulo: Cultrix; 1977. p.80.
4 Leach, E., Op.cit., p. 28