sábado, 18 de abril de 2020

Tonucci - educador italiano fala sobre a educação escolar na pandemia

Em entrevista ao site ELPAIS, o educador Francesco Tonucci fala sobre a relação crianças, escolas e seus pais. Leia essa reflexão e veja se podemos tirar lições para as nossas histórias pessoais e quem sabe institucionais.

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PANDEMIA DE CORONAVÍRUS
Francesco Tonucci: “Não percamos esse tempo precioso com lição de casa”
Psicopedagogo italiano afirma que esse confinamento demonstra “ainda mais” que a escola não funciona.


Francesco Tonucci (Fano, 1940) é um especialista em crianças. De sua casa em Roma, onde está confinado há cinco semanas, o psicopedagogo italiano responde por videoconferência algumas das perguntas que mais afetam as crianças durante esse período de quarentena para combater o coronavírus. Tonucci reconhece que são muitos os pais que pedem conselhos. Propõe ideias como que tenham seu próprio diário secreto de confinamento e um lugar, por menor que seja, para se esconder dentro de casa. O psicopedagogo critica a escola e a maneira como ela enfrenta o confinamento.


Pergunta. O que é o pior do confinamento às crianças?

Resposta. Deveria ser não poder sair, mas é mentira porque infelizmente também não saíam antes. As crianças desejam sair e só podem fazê-lo com um adulto. De modo que é importante que as crianças voltem a sair, dentro e fora do coronavírus. Ficar em casa é uma condição nova, não ser autônomo não é. Espero que as crianças possam nos mostrar com a força desse confinamento como precisam de mais autonomia e liberdade. É muito interessante como elas estão reagindo. Durante os primeiros dias de confinamento, enviei um vídeo às nossas cidades da rede internacional da cidade das crianças encorajando a convocar os conselhos para pedir sua opinião e dar conselhos aos prefeitos; achava um pouco paradoxal que todo mundo pedisse aos psicólogos conselhos aos pais e aos pedagogos aos professores e ninguém pensasse nelas. As crianças sentem muito a falta da escola, ou seja, não dos professores e das carteiras e sim a falta dos colegas. A escola era o local em que as crianças podiam se encontrar com outras crianças. Outra experiência em que pude comprovar que a escola era muito desejada pelas crianças é quando estão no hospital.

P. Considera, então, que os políticos não levam em consideração os mais jovens para tomar suas decisões.

R. Como sempre. As crianças praticamente não existem, não aparecem em suas preocupações. A única preocupação tem sido que a escola possa continuar virtualmente. Na Itália, por exemplo, a grande preocupação é demonstrar que podem continuar da mesma maneira que antes apesar das novas condições, ou seja, fazer quase sem que eles percebam, sentados como estavam na escola, diante de uma lousa tendo aulas e com lições de casa. Muitos não se deram conta de que a escola não funcionava antes e nessa situação se percebe como funcionava pouco. As crianças estão cansadas das lições e para as famílias é uma ajuda porque é o que as deixa ocupadas. As lições de casa são sempre demais, não tanto pela quantidade e sim pela qualidade. São inúteis para os objetivos que os docentes imaginam.

P. Se tudo está tão ruim, o que propõe?

R. Fiz um pequeno vídeo dando conselhos de senso comum. Temos uma oportunidade. As crianças se aborrecem na escola e é difícil que aprendam dessa forma. Além disso, existe um conflito entre escola e família. É um conflito moderno, a família está sempre pronta para denunciar o colégio. Agora a situação é nova: a escola é feita em família, em casa. Proponho que a casa seja considerada como um laboratório para se descobrir coisas e os pais sejam colaboradores dos professores. Por exemplo, como uma máquina de lavar funciona, estender a roupa, passar, aprender a costurar...

P. Mas nesse laboratório, os pais também estão trabalhando?

R. Peço coisas que também devem ser feitas em casa. A cozinha, por exemplo, é um laboratório de ciência. As crianças devem aprender a cozinhar. O professor pode propor que os alunos façam um prato e escrever a receita. Dessa forma estamos fazendo física, química, literatura e é possível montar um livro virtual de receitas. Outra experiência que me parece importante é que as crianças façam vídeos de sua experiência em casa. A outra experiência, evidentemente, é a leitura. A escola não conseguir com que as crianças amem a leitura é um grande peso. A escola deveria se preocupar mais, dar aos seus alunos o gosto de ler.

P. Isso significa lutar contra as telas, os videogames.

R. Estamos pensando em uma escola que deve fazer propostas às crianças trancadas em casa. Propor às crianças que leiam um livro deve ser um presente, não uma obrigação. Há outra maneira que é a leitura coletiva, de família. Criar um teatro que tem seu horário e seu lugar na casa, e um membro da família lê um livro como se fosse uma novela. Meia hora todos os dias. São propostas que parecem pouco escolares, mas todas têm a ver com as disciplinas escolares. Estudando as plantas das casas pode-se fazer uma experiência de geometria. Digo tudo isso para que se entenda que é possível aproveitar a riqueza que temos agora, a casa e a disponibilidade dos pais. Você diz que os pais não têm tempo: não é verdade. Apesar do todo o tempo em que estão ocupados, não sabem o que fazer no tempo livre. Normalmente o tempo que passam com elas é para acompanhá-las em atividades e não para viver com elas. Outra proposta é que brinquem, isso é o mais importante. Que inventem brincadeiras. Ligar aos avós para que aconselhem brincadeiras, eles foram crianças quando era preciso inventá-las.

P. Nunca passaremos tanto tempo com elas como agora.

R. Por isso mesmo. Não percamos esse tempo precioso dando deveres. Aproveitemos para pensar se outra escola é possível.

P. O que uma criança deve fazer no primeiro dia em que sair desse confinamento?

R. Gritar, jogar pedras, correr, e abraçar alguém; ainda que esse último seja mais complicado.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Educação Pensada por Freitas 2020

Olá pessoal,

Estou voltando!!! A força do Corona Vírus nos trazendo de volta ao ONLINE

Muitas coisas aconteceram desde que finalizei meu trabalho de doutorado (Out.2018). A métrica das postagens falam por si. Muitas reflexões, muitas decisões e muitas novas aberturas de diálogo com outras construções, outros conhecimentos. Aos poucos, espero trazer para cá.

Mas, nesse retorno, primeiro de 2020, não teria como ser diferente. Influenciados pelo contexto da Pandemia do Corona Vírus, trago uma reflexão de Luiz Carlos de Freitas na íntegra para que pensemos a escola, os educadores, os gestores, os estudantes, as famílias, os processos educativos, as aprendizagens, a legislação, o mercado, em conjunto se possível.

Acho que veremos novos encaminhamentos e novos direcionamentos no Blog do Sérgio Moura, mas a caminhada vai dizer do caminho.

Abraços
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Suspender as avaliações e unir os anos 20 e 21

A necessidade de fechar escolas para aumentar o distanciamento social e com isso diminuir a transmissão do coronavírus está impactando todo o sistema educativo e também as famílias. A questão não é apenas operacional ou de aprendizagem. Há um lado afetivo e emocional que atinge a todos, inclusive as crianças.
É uma situação inusitada que tem que ser tomada pela sua gravidade, a qual ainda vai aumentar. Nem sabemos, ainda, onde tudo isso vai parar e os “abutres” empresariais de sempre já estão a postos com suas soluções mágicas.
Nada contra introduzir formas de contato com os estudantes neste momento. Mas há uma ilusão em alguns setores gerenciais de que se possa – como quem muda um interruptor – transferir para o interior das famílias a continuidade da educação dos filhos que estava em curso nas escolas, bastando para isso tecnologia.
Os impactos da pandemia serão intensos na formação de nossos estudantes e o melhor a fazer é reconhecer esta realidade e começar a lidar com ela, ao invés de criar uma maquiagem via “ensino através de práticas não presenciais”. Nossas crianças estão – entre outros problemas – sendo impactadas em muitos casos pela perda de entes queridos, desestruturação econômica da família – quando há -, perda de emprego dos pais.
Querer que em meio a tudo isso a aprendizagem das crianças siga seu curso normal via práticas à distância é no mínimo uma grande ilusão, sem falar da insensibilidade. Teremos que tratar destes impactos com nossos estudantes e criar formas de que processem esta realidade, sem o que a aprendizagem estará comprometida para os mais atingidos
É claro que a família pode fazer algo nesta direção, mas não com a expectativa de que isso possa substituir a atuação do magistério nas salas de aulas das escolas do pais. Muito pelo contrário: os pais estão demonstrando ter consciência dos problemas para cumprir com estas expectativas – o que, ademais, é absolutamente normal que seja assim.
Andre M. Perry do Metropolitan Policy Program escreve para o Brookings Institution sobre o impacto da pandemia no reconhecimento da importância do magistério:
“Se você não valorizava a experiência, o trabalho e a dedicação que os professores colocam pacientemente em nossos filhos na maioria dos dias da semana, provavelmente o faz agora.
Para ajudar a reduzir a disseminação do coronavírus, os distritos de todo o país fecharam escolas, muitas pelo resto do ano acadêmico. Os pais foram chamados a desempenhar o papel de professora, diretora e merendeira de uma só vez. Estamos tentando descobrir planos de aula, plataformas de ensino à distância e tarefas. E nossos filhos estão nos tratando como professores substitutos de emergência que somos.
O valor dos professores não é comprado e vendido em Wall Street, mas finalmente está sendo reconhecido por aqueles que são forçados a assumir seu papel.”
Leia aqui.
Alguns gestores estão num mundo que não existe mais, achando que depois da pandemia tudo volta a ter continuidade – como dantes. Outros acham que, mesmo durante a pandemia, basta transferir o ensino para a modalidade não presencial.
Não, o mundo parou e quando voltar a rodar, no tocante às pessoas, será diferente e isso inclui os pais, professores, diretores e estudantes.
As soluções propostas, usadas com a intenção de substituição do trabalho do professor durante o fechamento das escolas de educação básica, estão fadadas ao fracasso e a acelerar a desigualdade educacional. Isso não significa que não faremos nada durante o fechamento das escolas. O magistério está se desdobrando tentando dar cobertura aos estudantes, mas isso implica em uma intensificação do trabalho em um momento em que ele igualmente também é atingido pela pandemia.
Além disso, a transferência do ensino para o ambiente familiar traz o problema do “limite de tempo de tela”: as crianças não podem ficar períodos inteiros em frente a telas de dispositivos estudando sem que isso lhes acarrete graves problemas físicos e psicológicos. A questão não é simplesmente ter uma plataforma de ensino virtual e colocar à disposição da criança.
As dificuldades deste caminho estão ficado mais claras para os país. E eles poderão ser um importante aliado para deter as falsas soluções que gestores ingênuos ou muitas vezes a serviço de interesses econômicos possam querer impor.
Melhor faremos se reconhecermos a real gravidade da situação e os impactos na formação e delegarmos para as redes de ensino a criação e gradação das soluções, seja durante ou após a pandemia, para que sejam formuladas de acordo com a intensidade dos problemas locais nos municípios e estados, removendo os obstáculos administrativos para tal. Soluções padronizadas não darão conta do momento.
Contrariando as terceirizadas que operam na venda de avaliação para municípios e estados, este processo exigirá, é claro, que se suspendam todas as avaliações censitárias de larga escala, sejam municipais, estaduais ou federais (SAEB), permitindo que cada localidade trace um plano de recuperação para suas escolas, levando em conta os danos emocionais que a magnitude da pandemia está causando em professores, diretores, funcionários e estudantes, para restabelecer a normalidade das escolas durante os anos de 2020/2021.
Estes dois anos deveriam constituir um ciclo único, apenas com avaliações de diagnóstico conduzidas pelos professores, dando tempo às redes para atuar na recuperação dos desempenhos segundo suas realidades específicas. Não é hora de meritocracia e performatividade. É  hora de solidariedade e acolhimento.