terça-feira, 12 de maio de 2020

Carta de Demissão de João Batista Freire

Olá pessoal

Aos poucos vamos retornando e ao retornar temos muito o que contar. Contaremos novidades nem tão novas, novidades em construção e dentro de tudo isso, alguns episódios que, a nosso e exclusivo nosso olhar, se tornarão novos divisores de águas. E a decisão do Professor de Educação Física,  João Batista Freire da Silva é sim um divisor, do qual doravante queremos saber quem mais se posicionará frente à vilania que permeia o Brasil entre todos aqueles que apoiam por decisão ou omissão o comportamento genocida do governo do Brasil. 
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Foto: extraída da postagem blogdojuca.uol.com


Florianópolis, 12 de maio de 2020
Ilmo. Sr.
Presidente do Conselho Regional de Educação Física CREF3/SC.

Sou filiado ao CREF há muitos anos. O número de meu registro é 2992. Pouco atuei porque, como professor de diversas instituições, nunca dependi da regulamentação do CONFEF. No entanto, mantive-me filiado ao CREF por ter a esperança de que, com o tempo, os Conselhos se tornassem menos corporativos e mais preocupados com a formação e qualificação dos professores. Acalentei também a esperança de que essas novas gerações compreendessem, finalmente, o significado de um curso de bacharelado. Fui ingênuo, nada disso aconteceu. Parece-me, inclusive, que não existiram novas gerações. 

Ontem, dia 11 de maio de 2020, fui surpreendido com a notícia de que o presidente da república, Sr. Jair Bolsonaro, considerou as academias de atividade física serviços essenciais e, em plena pandemia, liberou o trabalho nesses espaços. Acompanho há meses a pressão exercida pelos empresários de academias sobre o governo para que seja liberado seu funcionamento, sei que um dos maiores apoiadores do presidente é um dos grandes empresários do setor. E não vi qualquer posicionamento do CONFEF ou CREFs em favor do isolamento horizontal, única medida cientificamente eficaz para conter o avanço da pandemia e evitar o colapso do sistema de saúde.

Acumulei conhecimentos suficientes nos últimos 49 anos (tempo em que atuo na Educação Física) para poder afirmar que conheço poucos ambientes potencialmente mais disseminadores do Covid 19 que as academias. Por mais que jurem medidas de proteção, pessoas terão que tirar as máscaras para respirar quando estiverem exaustas, pessoas suarão e espalharão gotas de suor por todo o ambiente, o ar exalado por pessoas ofegantes chegará mais distante que em outros ambientes, o contato direto entre as pessoas será inevitável em alguns momentos, pessoas deixarão suas marcas e seus possíveis vírus impressos nos aparelhos de metal e plástico, e assim por diante. Se há um espaço onde as pessoas não poderiam estar durante a pandemia, é o espaço das academias.

Sou democrata, servi meu país colocando minha força de trabalho a favor dos direitos humanos, das liberdades individuais e coletivas e do regime democrático. Ao mesmo tempo, coloco minhas forças, meu desempenho profissional e individual, além de meu conhecimento, contra os autoritarismos de qualquer ordem. No momento nossa democracia está em risco como nunca esteve desde o fim da ditadura que torturou o país de 1964 a 1985. Não posso estar ao lado de quem, de alguma forma, alia-se ao avanço das forças autoritárias, representadas, como nunca, pelo atual governo.

Portanto, senhores, peço-lhes que providenciem meu desligamento desse Conselho. O momento é de definições quanto ao lado que servimos. Sirvo, mais que ao trabalho, à vida. Sirvo, mais que aos interesses dos empresários de academias, à vida. Sirvo, mais que aos Conselhos Regional e Nacional de Educação Física, à vida. Estamos, pois, em lados opostos, e torna-se incompatível eu ser registrado a um Conselho que sempre pouco me representou e agora representa o que menos acredito, e, julgo, alinha-se às forças autoritárias do país.

Ao alinharem-se às teses genocidas de nosso presidente da república, os Conselhos Regionais e o Conselho Nacional de Educação Física devem entender que deixam muito claro que, liberando o trabalho nas academias, contribuem para a disseminação do vírus, ao custo de milhares de vidas que poderiam ser poupadas caso recomendassem o isolamento horizontal.
Trata-se de escolher entre a vida e o vírus, e não entre o mercado e o vírus.

João Batista Freire da Silva
Professor de Educação Física

Fonte: https://blogdojuca.uol.com.br/2020/05/carta-de-demissao/

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