domingo, 20 de janeiro de 2019

Gestos causam polêmica em formatura de graduação em Educação Física

Bom domingo pessoal!!

Compartilhamos e fazemos conhecer posição contrária ao professor e grupo de estudantes formandos em Educação Física da UEPA.



MANIFESTO DE REPÚDIO E REFLEXÕES DO COLETIVO DE PROFESSORES/AS, PESQUISADORES/AS, ESTUDANTES, TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS E TRABALHADORES/AS TERCERIZADOS – LEPEL/FACED/UFBA (LINHA DE ESTUDO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO FISICA ESPORTE E LAZER. FACULDADE DE EDUCAÇAO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA):

SOBRE A ATITUDE DO PROFESSOR CLÁUDIO BORBA E DOS ESTUDANTES HOMENS, FORMANDOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA UEPA, CAMPUS XIII, DE TUCURUI, SUDOESTE PARAENSE, FAZENDO GESTO OBSCENO COM AS MÃOS SIMULANDO ÓRGÃO GENITAL FEMININO DURANTE ATO DE FORMATURA, REALIZADA EM 16/01/19, (QUARTA-FEIRA), NA COLAÇÃO DE GRAU, AS 17 HORAS NO CINE ROX, CONFORME DIVULGADO DIARIOONLINE.COM.BR POSTADO EM QUINTA-FEIRA 17/01/19 AS 18:40H ATUALIZADO EM 17/01/19 AS 19:37H





Nós, professores, pesquisadores, estudantes, técnico-administrativos e trabalhadores tercerizados, ligados ao Grupo LEPEL/FACED/UFBA (Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia), nos dirigimos ao professor Claudio  Borba e aos estudantes homens, formandos em Educação Fisica da UEPA, CAMPUS XIII, DE TUCURUI, SUDOESTE PARAENSE, que realizaram gesto obsceno com as mãos simulando órgão genital feminino, o que configura atitude desrespeitosa, preconceituosa e misogina,   durante ato de formatura realizada em 16/01/19 (quarta-feira), na colação de grau, as 17 horas no Cine Rox, conforme divulgado diarioonline.com.br postado em quinta-feira 17/01/19 as 18:40h atualizado em 17/01/19 as 19:37h, para estabelecer um respeitoso diálogo conscientizador, ao tempo em que, assim como o fez a administração central da Universidade repudiamos com veemência tal atitude porque deteriora nossa profissão.

Chamamos para o diálogo porque estamos vivendo um período de retrocessos enormes na nossa capacidade humana civilizatória, evidente nos avanços de posições protofascistas, de extrema-direita, causadora de males irreversíveis para a sociedade em geral. Tempos em que nos cumpre a tarefa histórica de recuperar valores, de convencer pessoas e de elevar a capacidade teórica e o controle da auto-conduta humana para o bem da sociedade em geral.

Nos indignamos porque não fomos formados para rebaixar as instituições, com atitudes preconceituosas e, muito menos com atitudes misógenas, desrespeitosas para com as mulheres, que tem contribuído, sim, para o feminicídio e demais formas de violência contra as mulheres que vem ocorrendo no país.

Queremos recuperar uma das mais belas razões de se escolher uma profissão como a nossa de professores de Educação Física. E o fazemos para despertar o senso crítico, tanto do professor Claudio Borba, quanto dos estudantes homens, a respeito da escolha de uma profissão. Nao foi para demonstrar atitudes desrespeitosas em uma formatura, que foram investidos recursos públicos, em uma instituição pública de respeito e de larga contribuição social, como a UEPA. A atitude de vocês – professor e estudantes homens – degradou a nossa profissão e por isto estamos protestando, estamos refutando com veemência tal atitude.

E para o diálogo conscientizador vamos nos valer da carta de Karl Marx sobre a escolha de uma profissão. Conforme menciona Karl Marx em carta de escrita entre 10 a 16 de agosto de 1835 escolhemos uma profissão para dignificar a humanidade.

Nos diz Karl Marx sobre a escolha de uma profissão:

“A própria natureza determinou uma esfera de atividade no qual os animais devem se mover, e eles pacificamente se movem dentro dessa esfera, sem tentar ir além ou sequer suspeitar de outra.
Para o homem, também, a divindade concedeu um objetivo geral, o de enobrecer a humanidade e a própria divindade. Mas ela deixou para o homem a tarefa de buscar os meios pelo qual esse objetivo pode ser alcançado, deixou para os homens o trabalho de escolher a posição na sociedade mais adequada a cada um, a partir da qual cada indivíduo pode elevar a si mesmo e a sociedade.
Essa escolha é um grande privilégio do homem perante o resto da criação, mas ao mesmo tempo, é um ato que pode destruir sua vida, arruinar seus planos e fazê-lo infeliz. Uma consideração séria dessa escolha é, portanto, a primeira tarefa de um jovem que está começando sua carreira e que não quer deixar suas questões mais importantes ao acaso.
Todos possuem um objetivo em vista, o qual ao menos para o possuidor parece ótimo, e realmente é quando sua mais profunda convicção, a mais profunda voz de seu coração, pronuncia que se é ótimo. A divindade nunca deixa os homens totalmente sem um guia, ela fala suavemente mas com certeza.
Mas essa voz pode ser facilmente afogada, e aquilo que tomamos como inspiração pode ser produto do momento, o qual outro momento pode, talvez, destruir. Nossa imaginação, às vezes, é incendiada, nossas emoções agitadas, fantasmas voam diante de nossos olhos e nós mergulhamos de cabeça nas mais impetuosas sugestões do instinto, as quais nós imaginamos que a própria divindade nos apontou. Mas aquilo que nós ardentemente abraçamos logo nos repele e vemos toda a nossa existência em ruínas.
Devemos, portanto, examinar seriamente se nós realmente fomos inspirados na escolha de nossa profissão, se nossa voz interior aprova isso, ou se essa inspiração é uma ilusão e o que tomamos como um chamado da divindade foi apenas autodecepção. Mas como podemos reconhecer essa ilusão sem rastrear a fonte da própria inspiração?
O que é ótimo brilha, e esse brilho desperta ambição, essa ambição pode facilmente ter produzido a inspiração, ou aquilo que tomamos como inspiração, mas, a razão não pode mais conter o homem que está tentado pelo demônio da ambição e ele mergulha de cabeça no que esse impetuoso instinto sugere: ele não mais escolhe sua posição na vida, em lugar disso, sua posição é determinada pelo acaso e pela ilusão.
Não somos chamados a adotar a posição que nos oferece as mais brilhantes oportunidades, essa não é aquela que, ao longo dos anos que talvez a manteremos, nunca irá nos cansar, nunca irá amortecer nosso zelo, nunca irá deixar nosso entusiasmo crescer frio, mas aquela no qual nós, em breve, veremos nossos desejos insatisfeitos, nossas ideias insatisfeitas e então invejaremos contra a divindade e amaldiçoaremos a humanidade.
Mas não é apenas ambição que pode despertar entusiasmo repentino por uma profissão em particular, nós talvez a tenhamos embelezado em nossa imaginação e embelezamento é a causa em razão da qual isso nos parece o que a vida tem de melhor a oferecer. Nós não a analisamos, não consideramos seus encargos totais, a grande responsabilidade que nos impõe, a vimos apenas de uma grande distância e distância é algo enganoso.
Nossa própria razão não pode nos guiar aqui, pois ela não é baseada na experiência nem na observação profunda, sendo enganada pela emoção e cega pela fantasia. Para quem então devemos nos voltar? Quem pode nos ajudar onde nossa razão nos trai?
Nossos pais, que já atravessaram a estrada da vida e experimentaram a severidade do destino, nosso coração nos diz isso.
E se mesmo assim nosso entusiasmo persistir, se nós continuarmos a amar uma profissão e crer que somos chamados para ela, mesmo após examiná-la a sangue frio, após termos considerados seus encargos e estarmos familiarizados com suas dificuldades, então nós devemos adotá-la, assim nem somos enganados pelo entusiasmo e nem a precipitação nos leva embora.
Mas nem sempre somos capazes de atingir a posição para a qual acreditamos sermos chamados, nossas relações sociais têm, até certo ponto, começado a serem estabelecidas antes mesmo de estarmos em uma posição para determiná-las.
Nossa própria constituição física é frequentemente um ameaçador obstáculo, que não deixa ninguém burlar seus direitos.
É verdade que podemos tentar passar por cima disso, mas então nossa queda será ainda mais rápida, nós estaremos nos aventurando a construir em cima de ruínas, assim toda nossa vida será uma infeliz luta entre o princípio mental e o físico. Mas quem é incapaz de reconhecer os elementos conflitantes dentro de si próprio, como pode ele resistir ao tempestuoso estresse da vida, como ele pode agir calmamente? E, é a partir da calma, sozinha, que grandes atos podem surgir, ela é o único solo onde frutos maduros se desenvolvem com sucesso.
Apesar de não podermos trabalhar por muito tempo e, raramente, felizes com uma constituição física que não é adequada à nossa profissão, o pensamento de sacrificar nosso bem-estar pelo dever, de agir vigorosamente apesar de sermos fracos, continua a surgir. Mas se nós escolhemos uma profissão para qual não possuímos talento, nunca poderemos exercê-la dignamente, nós logo perceberemos, com vergonha, nossa incapacidade e diremos à nós mesmos que somos criaturas inutilmente criadas, membros da sociedade que são incapazes de cumprir sua vocação. Então a mais natural consequência é autodesprezo, e qual sentimento é mais doloroso e menos capaz de ser compensado por tudo o que o mundo exterior pode oferecer? Autodesprezo é uma serpente que roí o peito, suga o sangue vital do coração e mistura-o com seu veneno de misantropia e desespero.
Uma ilusão acerca de nossos talentos é um erro que se vinga de nós, e mesmo que não encontremos com a censura do mundo exterior, isso faz surgir uma dor mais terrível em nosso coração do que a dor infringida pela censura.
Se nós considerarmos tudo isso, e se as condições de nossas vidas permitirem que escolhamos qualquer profissão que gostarmos, nós podemos adotar aquela que nos assegura maior valor(1), aquela baseada em ideias cuja veracidade estamos completamente convencidos, que nos ofereça o âmbito mais amplo para trabalharmos pela humanidade e para nós mesmos chegarmos perto do objetivo geral para o qual cada profissão é apenas um significado: perfeição.
O valor de uma profissão é aquele que mais ergue um homem, o qual transmite alta nobreza à suas ações e seus esforços, que o faz invulnerável, admirado pela massa e elevado acima dela.
Mas valor somente pode ser assegurado por uma profissão a qual não seremos apenas ferramentas servis, mas na qual agimos independentemente em nossa própria esfera. Só pode ser assegurado por uma profissão que não demande atos repreensivos, mesmo se repreensivos apenas na aparência, uma profissão onde o melhor pode seguir com nobre orgulho. A profissão que assegurar essas condições, no mais alto grau, nem sempre é a mais alta, mas sempre é a mais preferível.
Entretanto, assim como uma profissão que não nos assegura valor nos degrada, nós certamente sucumbiremos sob os fardos de uma que se baseia em ideias que mais tarde reconheceremos como falsas.
Não temos outro recurso senão o autoengano e a salvação desesperada, aquela obtida pela autotraição.
Essas profissões que não são tão envolvidas com a vida como são preocupadas com verdades abstratas são as mais perigosas para um jovem cujos princípios ainda não são firmes e cujas convicções ainda não são fortes e inabaláveis.
Ao mesmo tempo, essas profissões parecem ser as mais exaltadas caso tiverem raízes profundas em nossos corações e se somos capazes de sacrificar nossas vidas e esforços pelas ideias que nelas prevalecem.
Elas podem conceder felicidade ao homem que tem vocação para elas, mas destroem quem as adota precipitadamente, sem reflexão, cedendo aos impulsos do momento.
Por outro lado, a grande consideração que temos pelas ideias as quais nossa profissão é baseada nos dá uma alta posição na sociedade, aumenta nosso valor e torna nossas ações incontestáveis.
Quem escolhe uma profissão que valoriza muito, estremecerá a ideia de ser indigno a ela, ele irá agir de maneira nobre apenas se sua posição for nobre.
Mas o guia que deve nos conduzir na escolha de uma profissão é o bem-estar da humanidade e nossa própria perfeição. Não se deve pensar que esses dois interesses possam estar em conflito, que um tenha que destruir o outro, pelo contrário, a natureza humana é constituída de modo que ele apenas pode alcançar sua própria perfeição trabalhando pela perfeição, pelo bem, de seus iguais.
Se ele trabalhar apenas para si mesmo, ele pode até se tornar famoso, um grande sábio, um excelente poeta, mas ele nunca poderá ser perfeito, um homem pleno.
A história chama de grandes esses homens que se enobreceram trabalhando pelo bem comum, a experiência aplaude como o mais feliz aqueles que fizeram o maior número de pessoas felizes, a própria religião nos ensina que o ser a quem todos devem se espelhar se sacrificou pelo bem da humanidade, e quem se atreveria a reduzir a nada tais julgamentos?
Se escolhermos a posição na vida a qual podemos trabalhar pela humanidade, nenhum encardo irá nos pôr para baixo, pois esses encargos são sacrifícios pelo bem de todos, então não experimentaremos alegria mesquinha, limitada e egoísta, mas nossa felicidade irá pertencer à milhões, viveremos de ações silenciosas mas em constante trabalho, e sobre nossas cinzas serão derramadas quentes lágrimas de pessoas nobres”.

Portanto, pelo valor ético, pela beleza estética, e pela cientificidade deste conselho, contido nesta belíssima Carta, pela atualidade deste conteúdo, por ser propício para elevar nossa capacidade reflexiva e por nos permitir tirar lições, é que enviamos na íntegra a carta, almejando que tanto o professor, quanto os estudantes, homens, se retratem, peçam desculpas, a sociedade que os mantiveram na Universidade Pública, pagando o salário dos professores e os estudos dos estudantes. Peçam desculpas a todos nós profissionais, professores de Educação Física chocados, esterrecidos com vossa atitude misógena, no ato da formatura. Se disponham a realizer trabalho comunitário socialmente útil, em comunidades, em situação de risco social, para vos redimir de atitude aviltosa a toda a sociedade e a todos nós professores de Educação Física.  

SALVADOR, 18 DE JANEIRO DE 2019.

LEPEL/FACED/UFBA






REFERENCIA CARTA DE KARL MARX:
Primeira Edição: Archiv für die Geschichte des Sozalismas und der Arbeiterbewegung, Ed. K. Grünberg, Leipzig, 1925; escrito entre 10 e 16 de Agosto de 1835.
Fonte: https://www.marxists.org/portugues/marx/1835/08/16.htm

Notas de rodapé:
(1) O valor a que se refere Marx no trecho não é o valor monetário (Value) e sim o valor pessoal (Worth). Nota da tradução.

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